terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Carla Moura, psicóloga, especialista em sexologia (Vera)

Tenho um conselho valioso para dar aqui: se você acabou de conhecer um rapaz, ficou com ele algumas vezes e já está começando a imaginar o dia do seu casamento e o nome dos seus filhos, pare agora e me escute! Na próxima vez que encontrá-lo, tente disfarçadamente descobrir como é sua barriga.

Se for musculosa, torneada, estilo tanquinho, fuja! Comece a correr agora e só pare quando estiver a uma distância segura. É fria, vai por mim. Homem bom de verdade precisa, obrigatoriamente, ostentar uma barriguinha de chope. Se não, não presta. Estou me referindo àqueles que, por não colocarem a beleza física acima de tudo (como fazem os malditos metrossexuais), acabaram cultivando uma pancinha adorável. Esses, sim, são pra manter por perto. E eu digo por quê.

Você nunca verá um homem barrigudinho tirando a camisa dentro de uma boate e dançando como um idiota, em cima do balcão. Se fizer isso, é pra fazer graça pra turma e provavelmente será engraçado, mesmo. Já os `tanquinhos farão isso esperando que todas as mulheres do recinto caiam de amores - e eu tenho dó das que caem. Quando sentam em um boteco, numa tarde de calor, adivinha o que os pançudos pedem pra beber? Cerveja! Ou coca-cola, tudo bem também. Mas você nunca os verá pedindo suco. Ou, pior ainda, um copo com gelo, pra beber a mistura patética de vodka com `C-light´ que trouxe de casa.

E você não será informada sobre quantas calorias tem no seu copo de cerveja, porque eles não sabem e nem se importam com essa informação. E o quesito comida, os homens com barriguinha também não deixam a desejar. Você nunca irá ouvir um ah, amor, `Quarteirão´ é gostoso, mas você podia provar uma `McSalad´ com água de coco. Nunca! Esses homens entendem que, se eles não estão em forma perfeita o tempo todo, você também não precisa estar. Mais uma vez, repito: não é pra chegar ao exagero total e mamar leite condensado na lata todo dia! Mas uma gordurinha aqui e ali não matará um relacionamento. Se ele souber cozinhar, então, bingo! Encontrou a sorte grande, amiga. Ele vai fazer pra você todas as delícias que sabe, e nunca torcerá o nariz quando você repetir o prato. Pelo contrário, ficará feliz.

Outra coisa fundamental: Homens barrigudinhos são confortáveis! Experimente pegar a tábua de passar roupas e deitar em cima dela. Pois essa é a sensação de se deitar no peito de um musculoso besta. Terrível!

Gostoso mesmo é se encaixar no ombro de um fofinho, isso que é conforto. E na hora de dormir de conchinha, então? Parece que a barriga se encaixa perfeitamente na nossa lombar, e fica sensacional.

Homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo. Eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar, a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz.

CARLA MOURA
PSICÓLOGA, ESPECIALISTA EM SEXOLOGIA

sábado, 19 de dezembro de 2009

Let's face it

         Pergunta-se a alguém porque está no Facebook e a primeira resposta é: "porque me interessa profissionalmente, para estabelecer contactos". Como - um tipo é dentista (ou fotógrafo, ou canalizador ou advogado) e angaria clientes no Facebook? "Não, claro, que não!", respondem logo. Então? Porque têm negócios ou produtos que lhes interessa divulgar - resposta nº 2. Ah, então é uma rede de comerciantes, que aproveitam a publicidade grátis? "Bem, também não", respondem, já levemente embaraçados. Afinal, insisto, é porquê? "Por exemplo: serve para encontrar os antigos colegas da Primária ou do Liceu" - resposta nº 3, já levemente irritada. (E eu fico a pensar para comigo: interessa-me assim tanto encontrar os antigos colegas do Liceu ou da Primária? Francamente, não. Eles que me perdoem, mas a vida não se faz a andar para trás). Passemos, então, a outro tipo de dúvidas que a minha curiosidade gostaria de ver esclarecidas.
F tem 1243 'amigos' e 'amigas' registadas - uma multidão (e eu que detesto multidões...).
- Tens mesmo 1243 amigos?
- Não, claro que não!
- Então porque estão registados como teus amigos?
- Porque pediram e eu os aceitei.
- Se os aceitaste é porque os queres como amigos: tens de lhes escrever de vez em quando, mandar notícias, responder quando eles escrevem...
- Só respondo quando quero. E à maior parte não respondo.
- Não consigo perceber...
- O quê?
- É que toda a gente diz o mesmo, quando pergunto isto: que só têm essas legiões de amigos porque lhes pediram e eles aceitaram. Parece que ninguém pede, toda a gente se limita a aceitar; e, depois, todos juram que só respondem a alguns. Sendo assim, não consigo entender como e para quê, têm esses 'amigos todos'.
Fim de conversa. Já fiz esta conversa várias vezes, já tive esta discussão com amigos inúmeras vezes e ninguém sai da sua: eles do Facebook, eu da minha perplexidade. Na verdade, só há uma resposta que eu entenderia: estão no Facebook porque não conseguem enfrentar a solidão e vivemos um tempo em que, quanto mais se comunica, quanto mais se fala, quanto mais se apregoa, mais a solidão é funda e irremediável. E o Facebook é o instrumento perfeito para criar a ilusão de que não se está sozinho, mas acompanhado por uma vastidão de amigos. Basta escolher um 'perfil', carregar num botão e esperar que um desconhecido nos aceite como amigo. E, se esse não aceitar, há mais uns milhões, o universo todo, para tentar de novo. Quem disse que é difícil fazer amigos? Que é difícil encontrar pessoas interessantes? Que, hoje em dia, não há tempo para conhecer pessoas novas? Que as relações humanas são complicadas? Eis o instrumento que veio pôr fim a tudo isso. Agora, com o Facebook, só está só quem quer.
Essa explicação eu entenderia: é séria, é real, é humilde. Só que, essa, ninguém a dá. Menos ainda se atreverão a confessar outro tipo de razões pelas quais eu desconfio que muita dessa Humanidade perde horas preciosas das suas vidas amarrada à coisa (embora todos jurem também que raramente lá estão). As razões inconfessadas são estas (e isto é uma teoria muito pessoal): a) - para arranjar parceiros amorosos ou apenas sexuais; b) - para se exibirem a si mesmos, às suas vidas, às fascinantes personagens que todos se imaginam ser; e c) - para vasculharem a vida dos outros.
Vá, venham, caiam-me todos em cima. Estou aqui para dar o peito às balas dos 'amigos'. É verdade que eu sou, por natureza, o oposto da filosofia da coisa: detesto falar ao telefone, só abro o correio uma vez por mês, só respondo a mails de trabalho ou aos dos verdadeiros amigos que conheço, de carne, osso e alma, odeio expor a minha vida (já tão devassada, inventada e caluniada em blogues que por aí circulam) e interessa-me nada a vida privada dos outros. Gosto de fazer amigos de outra maneira, de ter encontros de outra forma, por acaso olhos nos olhos (embora haja gente que consegue mentir olhos nos olhos e tranquilamente). E não consigo simplesmente entender essa fórmula de as amizades circularem em rede, tipo-D. Branca, 'temos x amigos em comum, vamos ser amigos também', numa progressão geométrica imparável e absurda, até ao ponto em que o universo inteiro acabará amigo, todos uns dos outros, nesse admirável pesadelo novo do Facebook.
Vocês, os 'amigos' do Facebook, conseguiram transformar em realidade o pesadelo do Orwell e o sonho de todas as polícias: montaram uma rede onde todos se cruzam e expõem, onde é fácil descobrir o paradeiro de cada um, mesmo quando ele não quer, onde se estabelecem relações amorosas por magnetismo virtual, se desvendam traições e adultérios, se partilham segredos no meio da multidão, se revelam as fotografias e as andanças que deveriam ser íntimas, e onde se faz tudo isso com uma compulsão de drogados, viciados em voyeurismo e exibicionismo. Vocês, caros 'amigos' e 'amigas', transformaram o Big Brother numa realidade planetária. Mas com a diferença de que não é ele que vos vigia contra vontade, mas vocês que se lhe oferecem voluntariamente.
Era de esperar que aqui chegássemos: os sinais estavam todos lá e cada vez mais nítidos. Os dois barómetros principais, para quem tenha estado atento, foram a crescente profusão das revistas ditas 'sociais' e a crescente audiência dos programas de TV ditos 'populares'. Os primeiros transformaram inutilidades em celebridades, os segundos aliciaram o 'povo' a conquistar os seus minutos de fama, exibindo-se para um catálogo de vícios onde os degradaram a um extremo indecoroso, convencendo-os de que eram ídolos e corajosos. Juntos, as revistas sociais e os programas populares de TV levaram a pobre gente a acreditar que eles próprios podiam transformar-se na notícia, saltando de espectadores para actores principais. Não pelo que fazem, pelo que são, pelo mérito que têm, pelo exemplo ou pelo valor que dão à sociedade, mas exactamente pelo contrário: porque vão a festas, porque namoram X ou Y, porque fizeram um implante de silicone, ou porque tiveram um filho (e vendem a gravidez, o parto, a saída da maternidade, o primeiro banho, o baptizado, a primeira fralda borrada), ou então porque se tornaram 'vedetas' na televisão, em programas onde se dispuseram a ser acorrentados, chicoteados ou filmados 24 horas por dia, retrete incluída. E assim se tornaram eles próprios na notícia.
Mas como não cabem todos nas revistas ou nos programas televisivos, e como todos queriam beber da mesma água, os sobrantes encontraram no Facebook o instrumento exactamente adequado a esta ânsia de protagonismo, a esta irresistível compulsão de partilha que a todos reanima, com um sopro de vida como há muito não varria o mundo. Está bem, concedo que, pelo que me tenho apercebido e no que a Portugal diz respeito, o clube está acima do nível das revistas sociais ou do lixo televisivo: há para ali alguns intelectuais, ou auto-nomeados como tal, bastante gente perfeitamente frequentável noutras circunstâncias, muita gente interessante e outra desarmante, e muitíssimas mulheres que não são nada de deitar fora, sob vários aspectos (e, sobretudo, muita outra gente que só lá está porque os outros estão e têm medo de não serem 'modernos', ficando de fora). E confesso também que é isso o que mais me preocupa: será que sobra alguém para fora, onde também continua a haver vida, embora sob outra forma? Será que sobra alguém que se possa e valha a pena encontrar num café, num cinema, numa praia, num aeroporto? Ou vai tudo viver, envelhecer e morrer agarrado ao Facebook, sob o desagradável olhar de todos os outros? E a seguir, o que se seguirá?
Ó desgraçados, voltem antes que seja tarde!

in "Expresso", Miguel Sousa Tavares
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...